terça-feira, 7 de setembro de 2010

Os gregos que nos fascinam


*Marcia Braga

Depois de uma procura que foi quase uma odisséia, encontro uma edição portuguesa de 1939, da peça "Coéforas", de Ésquilo. Esses gregos me perseguem pela vida, e foi em companhia deles que passei o feriado. O tema é a morte e seus ritos funerários, e coéforas quer dizer escravas.

Ésquilo conta a história de Electra que, a pedido de sua mãe, Clitemnestra, vai realizar um ritual de expiação. Clitemnestra, com ajuda de seu amante, Egisto, havia assassinado o marido, Agamenon, assim que este voltara da Guerra de Tróia.

Mas Electra questiona a importância da cerimônia, uma vez que sabe do assassinato, e a participação das coéforas vai ser decisiva para que ela se convença que deve pedir aos deuses, não o perdão para a mãe, mas que vinguem a morte do pai.

O resto da história é conhecido: Electra vai convencer seu irmão, Orestes, a vingar o pai, e assim Clitemnestra e Egisto são mortos. Ou seja, uma sucessão de mortes que se fundamenta na vingança, ato que até hoje nos assombra, muitas vezes envolvendo várias gerações de uma mesma família, como é comum até hoje em algumas cidades do nordeste brasileiro. E é essa vingança sucessiva com seus rituais de perdão, purificação, o central em "Coéforas".

Ésquilo faz Orestes vagar pelo mundo perseguido pelas Fúrias, até a sua redenção. E quando ele lhes pergunta por que não fizeram o mesmo com sua mãe, elas lhe respondem que marido não era parente.

Já Eurípedes trata o mito grego com mais generosidade. Em sua "Electra", ela e o irmão depositam nos deuses toda a culpa pelo duplo assassinato. Apolo seria o responsável, já que os homens estariam submetidos aos caprichos dos deuses.

Orestes é aconselhado pelos tios a ir embora para Atenas, para escapar das Fúrias. As mortes teriam sido obra do Destino, que seria mais poderoso que os homens, os heróis e os próprios deuses.

Nem Ésqulo ou Eurípedes tocam no motivo que teria levado Clitmnestra a odiar o marido a ponto de tramar sua morte. Sabemos, através de Homero, que Agamenon teria sacrificado a filha Efigênia, um pedido dos deuses para que os ventos voltassem a soprar e ele pudesse zarpar com seus navios para Tróia. Mas os dois dramaturgos não tocam nessa questão. O próprio homem fica sendo o responsável pelo seu destino.

Fico imaginando que, se esses gregos que viveram há mais de quatro mil anos, nos fascinam até hoje, é porque alguma coisa de grandiosa e sábia haveria neles. E assim penso:

"Queremos saber, queremos viver
confiantes no futuro
por isso se faz necessário prever
qual o itinerário da ilusão
a ilusão do poder
pois, se foi permitido ao homem
tantas coisas conhecer
é melhor que todos saibam
o que pode acontecer..."
(Queremos saber/Gilberto Gil)



*Marcia Braga é jornalista e professora do curso de Jornalismo da FUNORTE, em Montes Claros, Minas Gerais. Sua auto-definição é um poema: "Meia dúzia de palavras sobre a minha origem: sou mineira de BH, jornalista e artesã, de palavras e objetos".

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