quarta-feira, 4 de maio de 2011

De volta pra casa

A última imagem que vi da Bolívia, foi também
a primeira que vi na varanda de Liliana 

Acabo de pisar em solo brasileiro outra vez. Minha chegada coincide também com o final da leitura do livro “A Resistência”, em espanhol, do escritor Ernesto Sábato, que morreu no dia primeiro de maio, sábado passado. O livro eu ganhei de Liliana Bayá, arquiteta boliviana com quem estive nestes últimos quatro dias. O presente é cheio de simbolismo e coincidências.


A partir da esquerda: Javier, Valeria, Pocho, Sérgio,
Gustavo, Roberto, Cecilia, Maranhão, Jorge, Klaus,
Pablo, Luis, Alejandro e Ramon
 Minha viagem à Bolívia foi fruto de um convite especial. Roberto Além Rojo, premiado diretor de cinema e documentarista boliviano, achou que eu tinha algo a colaborar com a discussão e montagem do roteiro final de um longa-metragem que vai contar a história de uma trágica aventura de um grupo de jovens que decidira: a morte de Che não seria o fim da luta pelo socialismo. O grupo era composto de bolivianos, argentinos, chilenos e havia até um brasileiro.

Por tudo o que restou desse episódio, é possível concluir que havia muito idealismo e pouca experiência. E talvez a inexperiência em viver na selva, a falta de treinamento para a luta armada, as condições absolutamente inóspitas a que estiveram submetidos por mais de cem dias, tenham sido os elementos cruciais para o desfecho trágico.

Dos 67 jovens, 58 morreram. Alguns, de fome. Outros, vítimas dos próprios líderes do grupo. A maioria, 55 deles, foi morta por soldados do exército que cumpriam ordens de não fazer prisioneiros. De uma vez só, perderam a vida e entraram para a história pela porta do esquecimento. O longa-metragem que está sendo gestado tem origem no longo estudo feito pelo escritor boliviano, Gustavo Rodriguez Ostria. O estudo resultou num livro - Teoponte, a outra guerrilha guevarista na Bolívia. E se tudo caminhar como imaginamos, vai virar um filme em breve.

Liliana Bayá
No livro que ganhei de Liliana, Sábato faz uma deliciosa e contundente reflexão sobre o que imaginava ser o fim (próximo) da vida. Fala de valores perdidos, de ética, de globalização, de esperança... Com a suavidade e contundência que só aos grandes escritores é dado escrever. Leio e viajo duplamente. Nas asas da Aerosur e nos livros de outros grandes nomes da literatura sulamericana como Borges e Darcy, que antes do fim de suas vidas também tiveram a chance de refletir e dividir conosco as suas confissões.

Há aí alguma coincidência. Minha viagem à Bolívia me permitiu conhecer um pedaço da história que nem mesmo os bolivianos conheciam direito. Esses meninos idealistas ficaram esquecidos e desaparecidos da história por mais de quarenta anos. Liliana me alcança um livro de Sábato que foi, entre outras coisas, presidente de uma comissão que investigou os desaparecidos, vítimas do regime militar, na Argentina.

Nestes dias de Bolívia, trabalhei intensamente com um grupo de 14 pessoas, entre roteiristas, cineastas, escritores, produtores, parentes do grupo de jovens que desapareceu em Teoponte (uma região da selva boliviana que fica a 8 horas de viagem, partindo de La Paz), políticos e técnicos de produção. Gente apaixonada e apaixonante. Mais uma coincidência, desta vez, comigo. Como eu mesmo digo na minha apresentação aqui no blog, não sei viver sem paixão.

Ernesto Sábato
Talvez, a única coisa que não seja exatamente coincidência nesse presente que ganhei da Liliana seja o contúdo do livro de Sábato. Nele, Ernesto fala o tempo inteiro sobre a proximidade da morte. E sobre a sua tranqüilidade em relação ao fim da vida, que só aconteceu às vésperas dele completar cem anos. O livro foi escrito no ano 2000. Onze anos depois, se mantém absolutamente atual e revelador. Talvez, o segredo dos longos onze anos que viveu depois de ter chegado tão perto da morte esteja exatamente em aceitá-la de forma honrada. Como uma etapa a mais dessa incrível e apaixonante aventura a que chamamos de vida.

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