quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A qualquer tempo, em qualquer lugar


Por Eliane Oliveira di Quarto*
Emílio e Sophia
Finalmente o outono chegou e já é quase inverno. A vida da gente por aqui é muito marcada pelas estações. Elas significam tanto na rotina diária. Outono é início de ano letivo, é o bronzeado da praia que já tá pálido, é a lembrança de um verão que se foi e a preparação para o natal. Tudo vai muito rápido de setembro a dezembro e, não sei porque, depois das festas de fim de ano, as coisas se espaçam até o próximo verão.


Este início de outono foi tempo de visitas brasileiras. Uma delas, um caro amigo. Um amigo que a vida me deu de presente como o irmão que eu nunca tive. Emílio é destes que, de manhã, logo cedo, estendia a roupa no varal, ficava com a Sophia enquanto eu levava o Lorenzo à escola e ao futebol e descascava as batatas pra colocar no fogo. Gente de casa, mesmo! Quando ele foi embora meu coraçao alargou-se num abraço de quem sabe que dias como estes virão de novo.

Uma das coisas que ele mais gostava, em casa, era a sagrada hora das refeições e os sabores diversos à mesa. “Ane, você já viu gordo não gostar de alguma coisa?” E quanta conversa! Quanta conversa diante de uma, duas garrafas de vinho. Emílio estava fora do Brasil, desde julho, no seu período sabático. Preparando as malas pra voltar pra casa eu perguntei a ele o que sentia voltando ao Brasil depois deste tempo de privilégios, de mutio conhecer, de vida vária, de pouca rotina, de novos amigos espalhados pelo mundo! “Ah! Não sei ainda! Na verdade acho que o meu período sabático ainda continua.”

Me veio um turbilhão de pensamentos! Não tenho idéia do que sentirei quando eu voltar ao Brasil, se um dia eu voltar. Sei o que eu provo quando vou ao Brasil, hoje. Quando aterriso em São Paulo é muito gostoso saber que se conhece como tudo funciona, que caminho de olhos fechados no aeroporto de Guarulhos, que o meu interlocutor fala a minha língua, que entro, com os meus filhos, na fila dos brasileiros, na imigração. É um sentimento de domínio, de pertença. É tão forte que, mesmo depois de tantos anos, resta ali, enraizado.

Contando causei uma espécie de clamor. Andrea não esperava. Não sabia! Surpreendeu-se porque, no final das contas, eu conheço ainda melhor o aeroporto de Malpensa, em Milão, do que o de Guarulhos, falo o italiano como falo o português, nos controles de passaporte entro na fila dos europeus e sei que na imigração daqui quanto mais séria e composta for, melhor é. Sei como tudo funciona. Como o sei, no Brasil. Aqui, provo o sentimento de voltar pra casa. Uma casa que não mais tenho no Brasil. Aí, as minhas coisas estão sempre em uma mala. São os meus hábitos mais profundos que estão fora dela, espalhados por onde quer que eu vá e que afloram.

Não soube responder ao Andrea porque não sinto a mesma coisa quando aterriso em Milão, voltando do Brasil. Se volto de um outro país, sim. É tudo muito diferente. Vai ver porque, na vida, é tudo muito relativo. Tudo depende de onde se parte, literalmente!

Emílio, a estas horas, está em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, deliciando um churrasco na casa dos pais dele. O que ele não sabe é que deixou no ar uma pergunta: o que é exatamente, pra mim, este sentimento de pertença? O que o desencadeia? Sigo adiante sem pressa. Do mesmo jeito que a pergunta veio um dia encontrarei a resposta. Tranquilamente!

*Eliane Oliveira di Quarto é uma querida amiga, jornalista, brasileira, radicada há muitos anos em Milão, na Itália. Eliane é casada como Andrea, editor italiano; e mãe de Lorenzo e Sophia (que aparece agarradinha com ela, na foto aí ao lado).

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