segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Noite de NO

Gael Garcia Bernal, em cena de NO.
Acabo de chegar do cinema. Fui ver NO, um filme franco-americano, que tem Gael Garcia Bernal no papel principal e conta um episódio histórico, um plebiscito que aconteceu no Chile, em 1988, ano em que a população deveria dizer sim ou não para a permanência do general Pinochet no Poder.

Há alguns dias, recebi um e-mail do Ângelo de Souza, que dizia o seguinte:


acho que vocês não têm saudade do u-matic, assim como eu não tenho saudade das campanhas políticas. mas vale a pena assistir 'no', com gael garcía bernal -- todo filmado em u-matic --, sobre a campanha contra a extensão do mandato de pinochet no plebiscito de 1988...
abç,
   a.

Dias depois, foi o Zé Walter quem ligou, no final do domingo pra dizer: Vocês precisam assistir NO. Fui tomado pela ideia. Resultado, bati no cinema, com Mara e Mariana, em plena segundona. E fiz bem.

O filme mostra com simplicidade atroz a construção de uma campanha eleitoral vital (hoje se sabe) para a redemocratização do Chile. Muitas das imagens mostradas ao longo do filme são de manifestações reais. Gael está muito convincente na figura de um jovem publicitário, acostumado a produzir propagandas de refrigerantes a moda, passando pelo mercado imobiliário. Nunca tinha participado de uma campanha eleitoral. 

De repente, ele se vê diante do desafio de construir e conduzir uma campanha política. Ter que tratar de conceitos, lidar com partidos, arejar o pensamento e sobretudo, compreender que, para ter alguma chance de vitória, era preciso mergulhar na alma do povo chileno e compreender o desejo mais verdadeiro, guardado em seu coração.

O filme é uma preciosidade por vários aspectos. Como disse o Ângelo, o filme foi todo rodado no sistema U-Matic. Os mais novos sequer imaginam o que seja isso. Num português claro, estamos falando quase da pré-história do video-tape. O sistema U-Matic foi o primeiro grande passo para a portabilidade das unidades externas de reportagem de televisão. E ainda assim, eram imensos. 

Quando cheguei pela primeira vez a uma emissora de televisão como repórter, vão-se ai uns trinta anos, foi em um equipamento U-matic que tive as minhas primeiras reportagens gravadas e editadas. 

Não apenas por isso, mas por muitas vezes me enxergar no papel daquele jovem publicitário, daquele pensador, daquele estrategista, fiquei emocionado. Alguns dos momentos pelos quais ele passa no filme, eu vivi na vida real, ao coordenar o Referendo Nacional das Armas, fazendo a campanha vitoriosa, por coincidência, do Não.   


Mário Schwarz, Ana Tebar e eu, no estúdio
de gravação da campanha do Referendo, 2005. 
Vou recomendar que Ana Tebar, Ecilda Stefanello, Mario Schwarz, Daniel Ramos e Zé Cerozzi assistam e dividam comigo a emoção de lembrar daqueles tempos de campanha.

Obrigado, Zé e Ângelo, por nos fazerem ir ao cinema. Saio de lá convencido daquilo  sobre o que nunca tive dúvida e que sempre defendi em minhas jornadas de trabalho: Que a simplicidade e a confiança são matéria prima  para qualquer campanha, para qualquer trabalho. E que a capacidade de ler a alma de um povo e transformar isso em mensagem é exercício para poucos.


3 comentários:

  1. Maranhão,

    Gostaria de compartilhar com você e seus leitores algumas lembranças que surgiram assistindo esse filme.
    Comecei minha vida profissional como estagiário na TV Globo do Rio em 1971. Estava acabando engenharia eletrônica. Entrei pelo departamento técnico, mas me encantei pelo jornalismo. Cursei comunicação na Faculdade Hélio Alonso e mudei de área. Na época, as reportagens eram capturadas em filme 16mm. Como eu era um "engenheiro", fui escalado para apresentar aos cinegrafistas de todo Brasil, a grande mudança: o U-MATIC.
    Parecia tarefa simples, mas foi quase uma "missão impossível". Em todos os aspectos o filme era melhor: a imagem em U-Matic era sofrível; não podíamos andar com o equipamento, porque causava instabilidade; o conjunto VT/câmera era muito mais pesado. A única vantagem era não precisar revelar. Mas, isso se perdia na edição, que no caso de filme era não-linear e no caso do U-Matic era linear e só dava problema. A única coisa que eu podia dizer foi, que essa era uma tecnologia veio para ficar e para ter paciência. Um sufoco!
    A outra lembrança que me veio com o NO foi, como com você, do Referendo das Armas. Montei a estrutura técnica e dirigi 25 comerciais, quase um por dia. Uma equipe maravilhosa! Vai ser difícil juntar, novamente, tanta gente boa. Foi uma pena o nosso referendo não ter sido tão glorioso quanto o desse filme. Não acha?

    Abração,

    Fernando Waisberg

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  2. Querido amigo Fernando Wafisberg! Em primeiro lugar, quero dizer da honra de tê-lo nesse espaço, como leitor. Isso, por si só, já me é motivo de orgulho. Depois, pelo seu testemunho sobre a grande transformação tecnológica (ainda que com perda temporária de qualidade - digo temporária porque o tempo mostrou depois que o caminho era esse mesmo, equipamentos cada vez menores e de qualidade cada vez maior, bastava e bastou, ter um pouco de paciência), que marcou a chegada do sistema U-matic às emissoras de TV.

    Por fim, quero lhe dizer que foi também um privilégio cumprir aquela jornada do Referendo ao seu lado. Claro, as dimensões comparadas ao referendo chileno, eram muito distantes. Mas há no "nosso" referendo, se assim pode os dizer, um quê de importância que também lhereser a um lugar especial na história. Foi a primera vez que tratamos de um tema tão denso, como o que estava proposto - a preservação ou não de um direito constitucional - embalado por um assunto tão propositadamente espinhoso, como a venda legal de armas no Brasil. Guardadas todas as proporções, tabém fizemos ali a nossa escrita na História.

    Grande abraço, querido amigo.

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  3. Quanto mais vivo, mais acredito que nao deveria existir make-up de politicos. O cara tinha que chegar nu e cru na frente do equipamento e dar o seu recado. Campanha politica virou guerra de publicitarios. Quem faz a imagem mais genial, conquista o coraçao do eleitor brasileiro e o voto (ja que brasileiro nao vota com senso critico. Na primeira vez que cobri uma campanha politica como jornalista, compreendi a minha pequenez diante de um sistema tao imenso e poderoso de lavagem cerebral e desconstruçao da democracia. Pedi demissao, coloquei a mochila nas costas e fui atras de mim mesma seguindo o conselho de Gandhi: "Seja a mudança que você quer ver no mundo."

    Um abraço enorme,
    Patricia

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