domingo, 25 de maio de 2014

Short cuts do fim do dia

Os cabelos brancos

Érica Ceolin tem cabelos brancos. É alta, magra e tem cabelos brancos. É alta, magra, tem cabelos brancos e é avó de quatro netos. Sim, ela é tudo isso.  E os cabelos brancos de Érica não condizem com o padrão de avó a que estamos acostumados a ver. Érica é o que a literatura convencionou tratar de "uma mulher à frente de seu tempo".

Eu trabalhei com Érica na TV Senado. Eu sai. Ela ficou. Mas o tempo de nossas reuniões de pauta é maior do que nós dois juntos. Esta semana, encontrei com ela. Almoçamos e tomamos vinho. Érica tem os sapatos mais lindos que já vi na vida. Junto deles, um sorriso que paga qualquer ingresso e uma inteligência e uma coragem que dão inveja a qualquer revolucionariozinho de meia pataca.  

Flora levou

Florência dos Santos,
nossa eterna Flora. 
Lá em casa havia uma negrona que era dona do meu coração, aliás, do coração de todo mundo. Florência dos Santos, nossa Flora, chegou pra trabalhar conosco três dias depois do Gabriel nascer. E ficou por lá uns doze anos. Saiu contra a nossa vontade. Antes de sair, cuidou da gente como quem cuida da própria alma.

Flora mandava na gente e a gente gostava. Um dia, cheguei em casa e ela tentava pegar algo no ponto mais alto do armário da cozinha. Não alcançava. Entrei em cena e sugeri um banquinho para lhe aumentar a altura. Ela gostou. Subiu e eu fiquei embaixo segurando as pernas da Flora (que pernas tinha aquela negrona) e o banco. De repente, ela larga o objeto do desejo e olha pra mim, de cima pra baixo. "Maranhão! Tem um cabelo branco aqui." Mal disse isso e segurou firme o único fio de cabelo branco que nascia na minha vasta cabeleira. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela enroscou o fio nos dedos e o arrancou. "Isso não fica bem na sua cabeça, você é muito jovem", disse, olhando fixamente para o fio branco arrancado.

Nunca tive tanta vontade de matar a Flora. Mas ela mandava na gente. Ficou por isso. Fiquei sem o fio branco e com o orgulho ferido, por um bom tempo. Ela não faz ideia do significado daquele fio branco em mim.

Graça, de graça

Graça e o seu melhor tradutor de inglês. 
Graça de Matos não tem os cabelos brancos. Porque pinta (tenho certeza).  Mas ela não confessa. Típico dela. Graça é das pessoas mais queridas que eu conheci em Brasília. É antiga por aqui. Desconfio que chegou antes de Juscelino. Corre à boca pequena, que ela trabalha há tanto tempo em televisão que foi a responsável pela edição do VT da Santa Ceia.

Na TV Senado, ela sentava ao meu lado e tinha fama de mau. Todo mundo tinha medo dela. Era mandona (e continua, onde quer que esteja). Mas tem um coração enorme (quase do tamanho do cartão de crédito do Gerson, marido dela e meu compadre).

Graça fala muito bem o português. Mas, tirou daí, não sai mais nada. Língua estrangeira, zero. Como muitos dos sites de compra estão em outra língua, ela vivia pedindo ajuda. Um dia, eu trabalhava um texto, enquanto ela fuçava um site americano de compras. Encontrou uma lareira (sempre encontrava coisas assim, das quais não podia viver sem).

Ficou desesperada porque queria comprá-la. Perguntou em voz alta e num tom dramático "como se escrevia lareira em inglês?" Eu, sem tirar os olhos do teclado, americanizei um "lowreira" e ela danou-se a escrever. Dedos ligeiros no teclado, até que se deu conta da minha molecagem. Quase apanhei naquele dia. Graça, não se emenda. É uma graça. Odeia quando eu sacaneio com ela, mas não vive sem mim.  

 

3 comentários:

  1. Que delícia terminar o domingo assim, lendo coisas gentis.

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  2. Posta aí uma foto do sapato da Érica, fiquei curiosa. Ah, parabéns pelo texto.

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  3. Bom dia, Isa, minha irmã. Os "sapatos da Érica" são parte de uma mítica dos tempos da TV Senado. A reunião não começava sem que ela chegasse e, invariavelmente, vinha com sapatos novos. Ou quase, mas pra nós, eram sempre "novos".

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