quinta-feira, 31 de julho de 2014

O poeta da foto e a foto do poeta

Olhando bem, os dias opacos tem lá sua beleza. 
Ontem acordei meio baixo astral. 
Há dias assim, em que a alma perde um pouco do brilho. 
Meus dedos olharam o teclado e não havia brilho. 
Olhei pra fora da casa e o dia era sem brilho. 
Resolvi aceitar a falta de brilho daquela manhã.

Quando é assim, não faz precisão brigar contra. 
Melhor aquietar. 
Melhor ser opaco. 
Ainda que não seja belo, o opaco tem lá o seu valor. 
Basta se acalmar. Basta olhar direito. 
Pois foi assim, vivendo a opacidade da manhã 
que abri o computador, meio a contra-gosto.

Aperto o botão, on. A luz do ecran e a tela ganhando vida. O google se oferecendo todo, querendo adivinhar minha vontade. Besteira. Olhei as opções e apertei o Facebook
Besteira por besteira, vamos lá.

Higa e eu, nos tempos da prefeitura de Campo Grande, nos idos anos 80. 
E eis que me aparece o Roberto Higa destoando do opaco do dia. Higa é um dos maiores fotógrafos com quem já trabalhei na vida. E, além de tudo, é um grande amigo. Junto com o Higa está também o  meu poeta preferido, Manoel de Barros. De repente, não mais que de repente, o dia opaco cede espaço à luz da poesia.

Leio a história do Higa e concluo. Meu dia está salvo. Com a liberdade que temos peguei o relato do Higa e dei uma temperada e compus uma viagem. Segue o baile.
 

Este mês fez 8 anos do meu avc (sigla usada no jargão médico para definir um acidente vascular cerebral). Era o final de junho de 2006, uma segunda-feira. No hospital, diante do caso, os médicos procuraram a Sandra, minha mulher, e avisaram: Ele não volta. Se voltar, vai ter sequelas, vai viver como um vegetal.

Foram duas longas semanas de agonia (pros outros). Eu não, estava lá, bem quieto, na minha. Me fingindo de morto, literalmente. Depois de quinze dias, como um milagre, cansei daquela paradeira, voltei à vida.

Higa e Sandra
Desta vez, quem quase morreu foi a Sandra. Não sei se de susto, porque já se acostumava à ideia da viuvez ou de alegria, por ter de volta o seu japonês. O que sei é que eu fiquei  feliz demais da conta com essa segunda oportunidade, com esse renascimento.

Passei mais uns dias no hospital, até que os médicos sentissem firmeza no pulso e fui liberado pra voltar pra casa. Cheguei com a consciência de que uma volta dessas merecia um marco, uma retomada em alto estilo. Eu queria “causar”, fazer a minha grande reentrada para o mundo dos vivos e principalmente da fotografia.  

Liguei pro Bosco Martins e falei do meu desejo. Queria fazer uma foto especial, algo que marcasse o meu renascimento, algo fora do comum.  

Bosco tinha acabado de receber a encomenda de uma matéria especial, com o poeta Manoel de Barros, para a Revista Caros Amigos. Ele adorou a ideia e eu mais ainda. Levado pelo Bosco, fui fazer a minha primeira pauta “post-mortem” na casa do poeta.

Manoel de Barros e Bosco Martins
No caminho, chamei o Bosco e disse: “Bosco, gostaria de fazer uma fotografia do poeta que o marcasse para o resto de sua vida. E vai ter que ser hoje, na minha reestreia como fotografo. Pensei em várias situações na noite passada. Quase não dormi. Imaginei ele segurando algum objeto antigo, de sua mocidade, nas fazendas em Cáceres, Poconé ou Corumbá , ao lado de um pilão antigo, feito a mão. Coisas assim...

Manoel de Barros
Chegamos à casa do poeta e começamos a fotografá-lo. Em sua mesa de trabalho, escrevendo; na janela, onde cismei de retratar o poeta pelo lado de fora (tive até que escalar o telhado). Com a dona Estela, sua esposa, perto da escadaria, na porta pelo lado de fora da casa...

Foi quando eu criei coragem e lhe disse: “Poeta, gostaria de fazer um retrato seu que marcasse, assim como fizeram do Einstein com a língua de fora, de Pablo Picasso, em seu estúdio, de Salvador Dali, brincando com o bigode. Gostaria de fazer uma fotografia sua que o marcasse pelo resto de nossas vidas...”



Manoel, pacientemente me ouvia, enquanto trocava a camisa mais uma vez para continuar fotografando.  Antes de colocar outra camisa, se virou para mim e fazendo pose de fisiculturista, como um Hulk pantaneiro - perguntou: Assim serve??? E abriu o mais largo sorriso que já o tinha visto dar.  Estava feito o retrato.


Manoel e seu Hulk Pantaneiro.
Foto de Roberto Higa
Naquele instante nascia um novo e inédito Manoel de Barros. 
E naquele instante eu me dava por satisfeito com o meu renascimento também. 
Vida longa, poeta!!!!! (pro senhor e pra mim). 




sábado, 26 de julho de 2014

A Oração de Dante

Pra começar o sábado. Loreena McKennitt. Dante's Prayer.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Short Cuts - Ariano Armorial Suassuna


Ariano era cheio de graça. Uma graça que permeia histórias simples da nossa vida cotidiana. Traduzidas na visão simples, brilhante e divertida do mestre contador de histórias.
Aliás, o maior contador de histórias que já andou pelos sertões desse imenso país.




Sobre computadores


“Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo.

Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim.”

Sobre o inglês e o português


“Eu não gosto da língua inglesa. A língua portuguesa é que é linda. Rica. O inglês, além de tudo, é pobre. (Apontando um copo de vidro). Perguntem a qualquer analfabeto o que é isto aqui. E ele responderá: “É um copo”.  Em inglês, isso aqui é “glass”, vejam se isso tem jeito de ser? E além de tudo, a língua é pobre. Em português isso aqui é um copo de vidro, não é? Pois então, em inglês, seria um “glass” de “glass”. Ô pobreza!

Rindo de si mesmo


Ariano fazia uma palestra no Sul. Depois, autografava seus livros. E a cada um que chegava para lhe pedir autógrafos perguntava o nome e ouvia um amontoado de consoantes que não entendia direito. Com paciência, pedia para que a pessoa soletrasse o nome enquanto, cuidadosamente, fazia a dedicatória. Depois da terceira vez que pediu a alguém para soletrar o nome, ouviu um pai orientando o filho para já chegar soletrando o nome “porque o homem é analfabeto!”. Na hora do autógrafo, o filho já chegou dizendo: “Meu nome é Hugo, H – U – G – O”. Ariano quase morreu de rir.

Descendo do avião

Da última vez em que esteve em Brasília, antes de
embarcar, Ariano resolveu descansar no aeroporto.
À sua maneira, deitado no chão. 
Ariano não gostava de viagens de avião. Um dia, desembarcando para uma palestra, a mocinha que o esperava, delicadamente, perguntou: Fez boa viagem, mestre? Ao que ele respondeu: Como assim “boa viagem”, minha filha? As viagens de avião só existem de dois tipos: As tediosas e as fatais. O avião é o único meio de transporte que a gente entra e reza para que a viagem seja tediosa.

Aula espetáculo e Chico Ciência


Ariano e Chico Ciência
Pra mim, o Chico Science deveria se chamar Chico Ciência


Um dia, chegando para fazer uma palestra, leio uma faixa estendida em frente à escola:
"Aula Show de Ariano Suassuna". Mandei tirar a faixa. Senão, não fazia a palestra. Eu não dou "Aula Show". Dou "Aula Espetáculo". Aliás, na minha terra, é uma interjeição usada pra espantar galinha.

Sobre a morte


Ariano e Zélia, seu grande amor. 
“Na minha terra, no sertão da Paraíba, a morte tem nome. Chama-se Caetana. E tem a imagem de uma mulher bonita. Aliás, essa é a única forma que eu aceito encarar essa danada. Como uma mulher bonita”.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Coragem

Pra terminar a noite.
Pra começar o dia. 
Coragem!


O Século XX escorrendo nas mãos

Carta para Ariano

Matheus Nachtergaele
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém,  homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.

Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.

Chicó e João Grilo
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.

Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.

Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.

Teu,

Matheus Nachtergaele

domingo, 20 de julho de 2014

Chuva em Brasília

Extra! Extra!

Chove em Brasília!

Que maravilha!
Que maravilha!

Foto: Marcelo Domingues


Short Cuts - Correspondência

Carta de Celso Grecco

Celso Grecco
Meu caro Maranhão,

Anos atrás estava numa churrascaria no Recife para um show do Juca Chaves. E o Juca, com todo o seu talento sarcástico, abriu a apresentação (que já não devia ser a única em uma churrascaria) fazendo piada da própria situação. Disse algo mais ou menos assim:

"Estou muito feliz porque nesta semana estive reunido com a alta direção da Rede Globo e ficou acertado que vão fazer um Globo Repórter sobre a minha carreira. Vão contar da minha infância, entrevistar amigos, ouvir colegas de trabalho. Relembrar os grandes sucessos da minha carreira e reproduzir trechos marcantes dos meus shows. Há também a possibilidade de uma edição compacta no Fantástico e o jornal O Globo vai fazer um caderno especial no domingo. Ficou tudo acertado. Para que isso aconteça, eu só preciso morrer".  

A plateia caiu na gargalhada e o Juca riu junto.
 
Juca Chaves 
Antes que o final de semana acabasse, perdemos João Ubaldo e Rubem Alves. Antes que a segunda-feira vire a página do final de semana, vejo uma enxurrada de homenagens e comentários resgatando o valor insubstituível dos dois. A lembrança do show do Juca Chaves veio junto com a de uma matéria que li, há não muito tempo, que falava da frágil condição financeira do João Ubaldo. Sem trabalho, sem contratos, sem royalties. Se não me engano, até mesmo uma ameaça de despejo o rondava - somado a problemas com a bebida.

Rubem Alves 
João Ubaldo
Não posso fazer juízo de valor sobre a fragilidade da condição humana, mesmo quando o humano é um dos grandes escritores que este país teve. Não sei se a bebida o consumiu, não sei se ele ganhou e não soube guardar, não sei o que se passou na vida de uma personalidade que numa recente altura dos acontecimentos passava necessidades e lutava contra o declínio geral.

Mas tento formar uma opinião sobre a nossa condição humana, que relega talentos como ele ao limbo da história até que a morte os resgate. Aposto que seus livros ganharão novas edições, que provavelmente a Globo resgatará suas mini séries que serão exibidas devidamente patrocinadas e que alguém remontará uma peça (A Casa dos Budas Ditosos?) que lotará o teatro. Sobre essas coisas, eu quase diria que tenho certeza. O que me intriga e me deixa sem pistas, é justamente o por quê de ter que ser assim, ou qual é a lição que devemos tirar disso.

Nunca mais ouvi falar do Juca Chaves. A única conclusão boa, é a de que ele está vivo.

Abraço,


Celso.