segunda-feira, 4 de maio de 2015

Pra sempre

Alfredo Lafayete - na sua fase filhote. 
Quando Mariana passou no vestibular, imaginei que ela fosse me pedir um carro de presente. Afinal, nós morávamos ainda em Campo Grande, MS; e ela foi aprovada no curso de Artes Cênicas, da UnB, em Brasília. Qual o quê! Secretamente combinada com a Mara, mãe dela, me fez um pedido impossível de recusar: Um cachorro. 

Eu sempre tive cachorro, desde pequeno. Mas nunca gostei de ter cachorro em apartamento. Penso que as duas coisas não combinam. Cachorro pede liberdade. Apartamento é prisão para bicho.

Mas, não pude resistir aos apelos das duas e sugeri que, pelo menos, fosse um cachorro pequeno, dessas raças novas (na minha época só havia três – vira-lata, pastor alemão e pequenês).

Elas, que já tinham tudo planejado, se apressaram em me falar de um tal de Llhasa Apso, o cão de companhia, originário do Tibet, etc, etc, etc, e tal.

Eu quis endurecer o jogo, dizendo que não cuidaria de comida, de água, de banho e muito menos de limpar cocô. Elas toparam. Eu fui mais duro, disse que não queria saber de cachorro latindo na hora em que eu estivesse lendo meu jornal, ou vendo meus filmes. Elas concordaram. 

Por fim, avisei solene: “Não vou odiar esse cachorro, mas não vou me afeiçoar por ele também”. Tudo entendido. O sorriso quilométrico da Mariana se abriu, feito um sol no quintal.

No fundo, desde a hora do pedido, nós três sabíamos que mentíamos, uns para os outros, sobre o “Alfredo Lafayete” (a coisa estava tão armada que o cachorro já tinha até nome e sobrenome). Eu, que seria duro com ele. Elas, que estavam se esforçando pra me convencer.

Mariana e seu Alfredo, no dia da chegada.
Foi assim que o Alfredo entrou na nossa vida, quase dez anos atrás. 
Neste fim-de-semana, ele partiu. E eu escrevi uma carta pra elas e pra ele, que é também uma confissão e um agradecimento. Por tudo o que ele me deu, pela amizade, pela companhia, pela fidelidade e pelo amor.

Como poucos, ele me entendia. Como poucos, eu também o entendia. Creio que viramos melhores amigos. De verdade. Ai embaixo, a carta.

Desde o começo, Alfredo escolheu ficar mais perto de mim.
Digo isso e comprovo. Ele era um cachorro, mas parecia um carrapato.
Não desgrudava nunca. 
Pra sempre. 

Eu gostei dele desde sempre. 
Mesmo tendo jurado que eu não ia cuidar dele. Nem amar. Nem me afeiçoar.

Ele sabia que aquilo era da boca pra fora. E era. 


Um lorde. Temperamental e blasé.

Fomos parceiros à primeira olhada. 
Ao primeiro biscoito.
À primeira fungada. 

E assim foi a vida toda. 
Nas caminhadas, nas hora da ginástica, na hora de dormir e de acordar.

Tinha ginástica e tinha que ter cafuné. 
No sábado passado, quando estive ai, enquanto esperava Mariana se arrumar, ele subiu no banco onde eu estava sentado e começou e se esfregar. E se esfregava como quem quisesse passar entre eu e o encosto do banco. 

Como se quisesse entrar em mim, feito tatuagem.

Valeu, Alfredo!
Achei estranho mas não reclamei. Deixei ele fazer aquilo até cansar.

Hoje, sinto que aquilo foi um jeito de nos despedirmos. 
Ele se esfregando em mim. Eu deixando e gostando.

Exatamente como foi desde o começo. 

Pra sempre. 

PS. Fernando Brant tinha uma cadela chamada "Diana". Foi pra ela que ele fez essa música que está ai embaixo. Justo quando ela se foi. Tomo emprestada a música, o carinho e a poesia. 

E onde se ouve "Diana", penso "Alfredo". 

Um comentário:

  1. Sei como se sente. Minha velha amiga Lilica, uma poodle, partiu aos 15 anos deixando um oco no quintal e no coração, meu e de meus filhos. Os afetos que fazemos não tem mundo, pode ser humano, canino, felino. Pode ser tudo junto. Nos preenche o dia e a vida. O Alfredo amou e foi amado. Isso é tudo.

    ResponderExcluir