terça-feira, 19 de maio de 2015

Oswaldão - de bugre!!

*Por Raquel Anderson


Finado Aprécio era um bugre agregado do Seo Chiquinho!

A vida toda por ali ficou, só de afazeres vivia o bugrinho.
 Compridas eram as existências.... feitas de matos, trieiros, caçadas, pescarias, invernadas, piquetes, tudo metódico e ajeitadinho.


O bugre Aprécio por ali cresceu, com bugra nova se entreteu...
 Pelejando com a bugra se envolveu até que nasce seu primogênito, o Filipinho!
 Filipinho herdou do pai o mesmo caminho....


Na fazenda, com Seo Chiquiinho continuou, os mesmos afazeres, tudo se perpetuou até que água ardente ele provou, por ela se apaixonou, tudo para trás largou e seguiu cambaleante no seu trieirinho....


Passou a viver da marvada cana, sem casa, sem paradeiro e sem grana... com pouco se contentava, para ele nada mais importava só a pinga, cachaça brava lhe encantava!!


Tratava como irmãos os “Andersão” e, a eles, vez por outra recorria com a certeza de que amparo teria!! Só carinho e atenção o dócil bugrinho queria!
 Um dia aparecia e um trocado pedia, seja pra uma vela, com a mentira mais singela de que para a mãe Zita a vela acenderia.

A vela ele encontrava no bar, onde tudo ele esquecia e só a pinga consumia.
 Certa vez, com um saco nas costas, andarilho, sem eira, sem beira e sem cavalo tordilho rumava à pé para o Pulador, debilitado, carente, fraquinho e sem amor.


Oswaldão seguia atrás, ensinando dirigir seu menor rapaz que de longe o avistou:

- Pai, lá vai o Filipinho na estrada, qual será seu paradeiro?


Oswaldão de pronto se comoveu e a ele recorreu, lhe abordando ligeiro:
- Filipinho, onde vai assim? Dessa forma, breve será o seu fim....

- “Vou ali numa pernambucano fazer uma trabaio pr’ele!!!”
- Fique uns dias na fazenda comigo,lhe darei trabalho, salário, companhia e abrigo.


Filipinho feliz, respondeu:

- Vou com essa mano véio longo então, já que precisa d’eu.

- Na pernambucano num quero mais nada, lá é só quaiada!!!


- Quaiada de manhã, quaiada no armoço, quaiada no jantá!!

Raquel Anderson é uma grande amiga que conheço desde os tempos de Campo Grande. Os filhos de Raquel, Rayssa e Túlio, estudaram com meus filhos. 

Eu não sabia dos dons de escritora que ela traz de longe. Mas cada escrito seu é uma nova e boa descoberta. É como se a gente pudesse, a cada texto, sentir o calor daquela gente simples e sábia, lá do pantanal.  

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Feliz pra chachorro

Dia com filha amanhece assim:
- Bom dia, sujeito.
- Bom dia, sujeita.

Dia com filha anoitece assim:
- Tá frio esse ar condicionado, sujeito.
- Desliga o ar condicionado e puxa o cobertor, sujeita.

Dia com filha segue assim:
- Pai, pode vir me buscar no Disney on Ice?
- Filha, Pateta em deslocamento.

A companhia de filha é um presente divino.
Torna dias insuportáveis em levezas de outono.
Me deixa feliz.
Feliz pra cachorro.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Pra sempre

Alfredo Lafayete - na sua fase filhote. 
Quando Mariana passou no vestibular, imaginei que ela fosse me pedir um carro de presente. Afinal, nós morávamos ainda em Campo Grande, MS; e ela foi aprovada no curso de Artes Cênicas, da UnB, em Brasília. Qual o quê! Secretamente combinada com a Mara, mãe dela, me fez um pedido impossível de recusar: Um cachorro. 

Eu sempre tive cachorro, desde pequeno. Mas nunca gostei de ter cachorro em apartamento. Penso que as duas coisas não combinam. Cachorro pede liberdade. Apartamento é prisão para bicho.

Mas, não pude resistir aos apelos das duas e sugeri que, pelo menos, fosse um cachorro pequeno, dessas raças novas (na minha época só havia três – vira-lata, pastor alemão e pequenês).

Elas, que já tinham tudo planejado, se apressaram em me falar de um tal de Llhasa Apso, o cão de companhia, originário do Tibet, etc, etc, etc, e tal.

Eu quis endurecer o jogo, dizendo que não cuidaria de comida, de água, de banho e muito menos de limpar cocô. Elas toparam. Eu fui mais duro, disse que não queria saber de cachorro latindo na hora em que eu estivesse lendo meu jornal, ou vendo meus filmes. Elas concordaram. 

Por fim, avisei solene: “Não vou odiar esse cachorro, mas não vou me afeiçoar por ele também”. Tudo entendido. O sorriso quilométrico da Mariana se abriu, feito um sol no quintal.

No fundo, desde a hora do pedido, nós três sabíamos que mentíamos, uns para os outros, sobre o “Alfredo Lafayete” (a coisa estava tão armada que o cachorro já tinha até nome e sobrenome). Eu, que seria duro com ele. Elas, que estavam se esforçando pra me convencer.

Mariana e seu Alfredo, no dia da chegada.
Foi assim que o Alfredo entrou na nossa vida, quase dez anos atrás. 
Neste fim-de-semana, ele partiu. E eu escrevi uma carta pra elas e pra ele, que é também uma confissão e um agradecimento. Por tudo o que ele me deu, pela amizade, pela companhia, pela fidelidade e pelo amor.

Como poucos, ele me entendia. Como poucos, eu também o entendia. Creio que viramos melhores amigos. De verdade. Ai embaixo, a carta.

Desde o começo, Alfredo escolheu ficar mais perto de mim.
Digo isso e comprovo. Ele era um cachorro, mas parecia um carrapato.
Não desgrudava nunca. 
Pra sempre. 

Eu gostei dele desde sempre. 
Mesmo tendo jurado que eu não ia cuidar dele. Nem amar. Nem me afeiçoar.

Ele sabia que aquilo era da boca pra fora. E era. 


Um lorde. Temperamental e blasé.

Fomos parceiros à primeira olhada. 
Ao primeiro biscoito.
À primeira fungada. 

E assim foi a vida toda. 
Nas caminhadas, nas hora da ginástica, na hora de dormir e de acordar.

Tinha ginástica e tinha que ter cafuné. 
No sábado passado, quando estive ai, enquanto esperava Mariana se arrumar, ele subiu no banco onde eu estava sentado e começou e se esfregar. E se esfregava como quem quisesse passar entre eu e o encosto do banco. 

Como se quisesse entrar em mim, feito tatuagem.

Valeu, Alfredo!
Achei estranho mas não reclamei. Deixei ele fazer aquilo até cansar.

Hoje, sinto que aquilo foi um jeito de nos despedirmos. 
Ele se esfregando em mim. Eu deixando e gostando.

Exatamente como foi desde o começo. 

Pra sempre. 

PS. Fernando Brant tinha uma cadela chamada "Diana". Foi pra ela que ele fez essa música que está ai embaixo. Justo quando ela se foi. Tomo emprestada a música, o carinho e a poesia. 

E onde se ouve "Diana", penso "Alfredo".