sábado, 3 de fevereiro de 2018

Amor e poesia em forma de água


Se prevalecerem a arte, a magia, a poesia e a emoção, Guillermo del Toro deve levar o Oscar de melhor diretor este ano. Assim como o mais recente filme dele, também. Se não levarem, vai ficar um travo na boca. Como tem sido comum desses tempos de sem-graceza, em que nada mais nos surpreende. "A forma da Água" é um filme que traz impressa a marca da genialidade de del Toro. Dos seus humanos estranhos, dos seus monstros delicados, de seus personagens oníricos e cotidianos.

Tenho pra mim que o transcurso do tempo é uma das medidas que nos permite saber quando um filme se impõe e nos arrebata de corpo e alma. No cinema, não perceber o tempo passar é sintoma de que se foi tomado pela história. Neste caso específico, duas horas de filme passam sem que ninguém perceba. Sem que se tenha tempo de desprender o fôlego, represado à primeira cena.

Aliás, a atmosfera tensa pontua "A Forma da Água" o tempo todo. Num jogo de esfria e esquenta que nunca é morno. Um conto de fadas erótico. Uma monstruosidade delicada e sensual. Guillermo consegue a proeza de fazer caber romance e violência dentro de uma história que seduz novos e velhos. Espertos (na etimologia castelhana da palavra) e incautos. Românticos e descrentes.

Há na história um pouco de tudo e de cada coisa desse nosso tempo louco. A lente de Guillermo olha o passado com olhos de agora. Extremamente atual, dá vigorosidade à década de 60, com seus conflitos e valores do "american way of life". Da guerra fria revivida, à intolerância política e racial; da corrida armamentista à poesia; da pintura à fotografia; Da música popular de Carmem Miranda às clássicas orquestras, como a de Benny  Goodman. O filme se dá ao luxo de ter uma protagonista (Sally Hawkins) que fala pelos cotovelos sem dizer uma palavra - a não ser quando sonha. É muda de nascença. E como é veemente!


O malvado da história, interpretado magistralmente por Michael Shannon, já é um clássico. Um caricato convincente. Octavia Spencer, no papel de uma funcionária da limpeza e melhor amiga da personagem principal, dá uma banho de interpretação. Confirmando o alto nível da sua carreira de atriz, que já lhe rendeu Oscar, no filme Histórias Cruzadas.


Vai haver quem não goste (sempre há). Haverá quem ache que o amor de uma muda por um monstro aquático carrega algo de animalesco. E não vão alcançar a essência desse "A Bela e a Fera pós-verdade". Mas não se importe. O filme é uma aula de poesia e de amor. Um filmaço. Corra pro cinema. E confirme.

Um comentário:

  1. Concordo 100% com seu comentário, Maranhão. Mas, quem preferir, pode entrar na sala ao lado e se encher de pipocas saturadas e telas mais ainda, de tiros, explosões e outras demonstrações da modernidade conectada.

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